sexta-feira, 8 de junho de 2018

DE PONTA CABEÇA?


A Terra é uma coisa meio oval, dizem as evidências científicas. Pois é, engraçado como a gente vive em uma bola, mas em nenhum momento sente como se estivesse de cabeça para baixo. Será que não?

Esse pensamento sobre estar de cabeça para baixo é uma daquelas coisas que costumam fazer o cérebro esfumaçar. É como pensar no que veio antes do nada, ou no que vem depois da morte. Mas, e se na verdade o sentir-se de ponta cabeça for o padrão?

Percebam, nós certamente estamos de cabeça para baixo. Ora, vivemos em uma bola! É preciso estar de cabeça para baixo em algum momento, caso contrário a vida seria inviável. Inviável pois a Terra não estaria rodando se não ficássemos de cabeça para baixo em algum momento. Eis a questão. Ficar de ponta cabeça é o normal, não o incrível.

Talvez o fato de vivermos de cabeça para baixo nos impeça de ter sensações estranhas sobre este fato. O ficar pendurado é o normal. Não sentimos incômodo porque essa é a nossa posição padrão – de ponta cabeça. Sendo assim, quando nós estamos “de cabeça para baixo”, em verdade estamos “na posição normal”. Confuso, não é? Certamente.

O que é legal notar, em toda esta loucura, é que é perda de energia ficar pensando sobre estar de cabeça para baixo. Também é desperdício refletir acerca do formato oval da Terra. Eu digo isso pois faz parte da natureza humana se acostumar. Sendo assim, pouca diferença faz se estamos pendurados de ponta cabeça ou imersos em uma bolha de ar. Iremos nos acostumar e essa condição fará muito pouca diferença.

Por isso, da próxima vez que você deliberar sobre o motivo de não estar se sentindo em uma montanha russa agora mesmo, tente lembrar-se do cansaço que aquilo irá gerar – ou não. Isso também não faz diferença. É um só um pensamento bobo e desnecessário, como vários outros que passam nessa coisa louca que é a mente. Aqui está a prova.

domingo, 27 de maio de 2018

Notas sobre artificialidade



A artificialidade é algo realmente fascinante. Sim, é possível fascinação por algo artificial, afinal, o artificial surge da obra humana e todo humano é egoísta. A sensação de produzir, ou reproduzir, está além do altruísmo de trazer à tona uma criação que poderá ser usufruída por outros. Produzir alimenta o ego e causa autossatisfação.

Mas voltemos ao artificial. Ao criar algo artificial é possível, de alguma forma, chegar perto de uma perfeição subjetiva que existe na própria concepção do criador – e, por que não, dos admiradores.

A coisa artificial, em alguma medida, busca alcançar características de algo não-artificial (natural, talvez). O artificial pode conter tudo de bom e bonito que existe no natural, mas pode abrir mão daqueles aspectos que dão complexidade e dor de cabeça para quem precisar lidar.

Vamos pensar em uma planta artificial. Podemos ter belas flores, belas rosas, em um belo jarro. Sem dúvidas é um utensílio que deixa o ambiente mais leve e só há benefícios. Você olhará para a flor e verá que ela é bela. Você admirará a planta e saberá que ela sempre estará ali, bela. 

Entretanto, você não precisa se preocupar em regar, em prover sais minerais, em evitar pragas. Aquela planta tem a essência de uma planta ornamental: embelezar. Porém, está livre de qualquer complexidade. É apenas uma alegoria. Aquela planta foi criada para ser bela. Não há ali a sutileza da vida, mas também não há seus percalços. É bela, mas artificial.

Ao pensarmos sobre o natural e o não-natural, podemos questionar o que vale mais a pena. Esse questionamento, por óbvio, não tem uma resposta. A planta artificial cumpre seu papel e todos sabem de suas limitações. O que resta é decidir o que melhor supre os desejos humanos: a alegoria ou a realidade complexa. Cada um escolhe o que lhe melhor cabe, e, embora todo mundo se intrometa nas vidas alheias, não sei se cabe algum julgamento. No final das contas, é uma questão de egoísmo.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

A culpa é das estrelas?



Sempre achei essa coisa de signo bastante curiosa. Como é possível definir a personalidade de alguém com base em observações astrológicas? Como é que o posicionamento dos corpos celestes pode influenciar as relações humanas? Diga-me, meu caro, como é que as estrelas fazem de você ciumento, emotivo ou convencido? Não fazia nenhum sentido.

Até que em um belo dia tentaram me convencer do contrário. A proposta era simples: eu deveria fazer meu “mapa astral” completo. Ora, apenas saber que eu sou do signo de Escorpião não diz muita coisa. Era preciso ter o panorama completo. Pois bem, aceitei a proposta. “Façamos o mapa astral”, disse eu.

Pois bem, acessei um site especializado no assunto a fim de saber qual era de mesma desse tal mapa. Após um breve questionário - que envolvia quesitos como data e horário preciso do meu nascimento, além das coordenadas geográficas do meu local natal -, o mapa estava finalizado. Será que ele mostraria o caminho?

É aí que a coisa fica curiosa, meus amigos. Os astros deviam estar alinhados naquele dia. O fato é que eu não sei o que aconteceu, e, se aconteceu, não estou sabendo.

O site me entregou o mapa astral, conforme prometido. É basicamente uma grande encruzilhada celestial. Vênus em Escorpião. Lua em Capricórnio. Ascendente em Áries. Parecia que eu estava dentro de um episódio de Cavaleiros do Zodíaco. Comecei a acreditar que, ao final desse mapa, eu encontraria minha armadura de ouro. Mas não foi isso que aconteceu.

Acreditem, meus amigos, cada definição que o tal mapa fazia combinava perfeitamente com minha personalidade. Eu fiquei abismado de verdade. O site estava expondo coisas que eu não costumo comentar acerca da minha natureza. “Como assim?” – pensei. Só pode ser coisa do Cão.

À medida que eu me aprofundava na leitura do meu recém-elaborado mapa astral, eu me deparava com umas coisas bem desagradáveis.  

Descobri que, por meu Sol e Saturno estarem em quadratura (what??), tenho traços pessimistas e que as coisas são sempre difíceis. Ainda, descobri que minha sensibilidade tem muito a ver com meus ossos e joelhos. Não preciso dizer que, assim que eu li isso, senti vontade de comprar sete caixas de Calcitran B12, só pra dar uma reforçada na minha sensibilidade.

Depois de sofrer essa overdose astral, passei um bom tempo acreditando que essa coisa de signo talvez fizesse algum sentido. Porém, com o passar do tempo, comecei a pensar de forma mais racional. Talvez por conta do meu Netuno em Capricórnio, que me faz pragmático ao lidar com assuntos abstratos.

Certamente você conhece alguém que se justifica através do signo. Talvez você seja assim. É aquela pessoa que joga o celular do parceiro/parceira na privada em uma briga, mas depois diz que não teve a intenção, pois o ciúme é por causa do Sol em Escorpião. Ou, também, aquela pessoa que demora 27 minutos para escolher o queijo no Subway e diz que a culpa é do seu signo de Gêmeos.

Eu não sei dizer se as constelações causam efeitos psicológicos em nossa existência. A Lua é capaz de alterar as marés. Se Lua toca no mar, ela pode nos tocar, diria Sandy Junior (sim, pra mim eles são uma pessoa só).

Entretanto, pouco importa se a coisa de signo é verdade ou não. Em verdade, acho até legal um pouco de misticismo em nossas vidas – culpa do meu Júpiter em Escorpião. Porém, uma coisa é certa: somos responsáveis por nossas atitudes.

Culpar as estrelas por alguma coisa que você fez ou disse é, certamente, uma atitude pouco corajosa. Por maior que seja a influência que sofremos do meio o qual estejamos expostos, é inegável que nossa capacidade de pensar racionalmente nos dá um pouquinho de liberdade.

A mente consciente é a maior benção que podemos receber. Sendo assim, por mais que não possamos controlar o que acontece no mundo, somos capazes de decidir como agir diante daquela situação que nos foi imposta.

Em outras palavras, você pode até ser do signo de Áries – sinônimo de gente briguenta, segundo o mundo dos signos -, mas isso não lhe autoriza a sair mandando todo mundo para a puta que pariu a bel-prazer.

O que eu quero dizer é que nosso jeito de ser, seja por causa do nosso signo ou não, não pode ser utilizado como desculpa para nossos erros. O que fazemos tem consequência nas vidas de outras pessoas, tenho certeza que você sabe disso. Então, é preciso ter cuidado.

Ter autoconhecimento é fundamental para o exercício da nossa liberdade. Se você sabe que se irrita com facilidade, se prepare psicologicamente para enfrentar o engarrafamento da Semana Santa. Se você sabe que é ciumento/ciumenta, reflita se seus pensamentos apresentam evidências que os tornem verdadeiros antes de atirar o celular de alguém na privada. Enfim, se você sabe qual é seu signo, perceba quais são seus pontos fracos e se prepare para situações onde estes pontos fracos serão colocados em teste.

É muito mais fácil terceirizar a culpa do que assumir a responsabilidade. Entretanto, aí está a chave de toda essa conversa: responsabilidade.

Como eu disse anteriormente, não podemos controlar o mundo. Certamente muita coisa que acontece na vida não é nossa culpa. Porém, é nossa responsabilidade. Perceba o que eu quero dizer.

Você não tem culpa se um raio cair em cima do seu carro zero, financiado em 567 meses, e destruí-lo por completo. Entretanto, é sua responsabilidade decidir se vai amaldiçoar a vida pelo carro explodido ou ser grato por não estar dentro do automóvel no momento do acidente.

Então, meus amigos, vamos parar de encher o saco dos astros o tempo. A vida acontece dentro da Terra, não fora dela. Sendo assim, horóscopo do dia: os signos estão alinhados com a mente, causando uma nova forma de encarar a vida.

Lembre-se: a culpa pode até ser das estrelas, mas a responsabilidade é nossa.

Rafael Verdival

A velhice para um jovem


Aos 24 anos a velhice parece uma história. É como aqueles casos extraordinários que nós vemos em programas sensacionalistas. É uma coisa que nunca vai acontecer com você. Em certa medida, é possível dizer que a velhice sequer existe.

Não há velhice. Talvez esta afirmação soe radical, mas não é. De fato, não há velhice. Aos 24 anos tudo o que há é juventude. A velhice realmente não existe. É impossível para alguém com pouca idade experimentar a velhice. Pode até ter mentalidade conservadora ou madura (no melhor e pior de cada coisa). Pode não ter disposição e atribuir isso ao abstrato envelhecimento. Mas, dizer que há velhice? Ah, meu amigo, isso não dá.

A velhice só existe quando ela existe. Redundante? Pode ser. Mas também é isso mesmo. A velhice só pode ser percebida quando se está velho. Mas o que é estar velho? Bem, apenas quem conclui que está velho pode dizer.

Não acredito que velhice seja algo exato. “Aos 65 você está velho”, diriam os que gostam de objetividade. Mas o que são 65 anos em meio a atemporal existência?

Outros podem dizer que a velhice acontece quando o corpo humano começa a funcionar mal. Pode até ter alguma lógica nessa perspectiva. É o envelhecimento mecânico. Porém, não acho que é o principal. Não sei se incômodos físicos são suficientes para fazer a pessoa se sentir velha. Acredito que tem mais a ver com a mentalidade mesmo.

Tem gente que se aposenta e a partir dali decreta o início da própria velhice. Aposentar-se é outra coisa abstrata pra mim. Aos 24 anos mal sei o que é trabalhar, quanto mais se aposentar. Também não vejo motivo para tristeza. Ganhar dinheiro sem precisar trabalhar é sempre algo bem vindo. Ainda sobra um bom tempo para se dedicar a atividades remuneradas com satisfação pessoal. A aposentadoria poderia ser o fim dos livros de autoajuda, se não fosse a tal velhice.

Talvez você queira saber o que é velhice. Bem, como eu já dei a entender, eu não faço ideia. Pode ser que, em um belo dia, você acorde e pense: “estou velho”. A partir daí você para de experimentar a vida e apenas vai levando o existir. Isso é perigoso. É algo que pode dar até em quem tem 24 anos.

Outra coisa interessante é pensar em ficar velho. É o envelhecimento planejado. “Quando eu ficar velho, vou viajar”. Que grande bobagem. O futuro chega a ser mais incerto do que a existência da velhice. Reunir esses dois conceitos é como juntar Mentos e Coca-Cola. 

Enquanto você for capaz de pensar, você está vivo. Se você está vivo, tente aproveitar. Muito pensam que a velhice é inevitável. Não vou ser ingênuo a ponto de dizer que o corpo não envelhece. Existem coisas que só vêm à tona com o passar dos anos, tudo bem. Mas e daí? Isso é motivo para ter mente de velho?

Eu tenho 24 anos e não sei quase nada da vida. Velhice é algo tão distante pra mim quanto viajar de Salvador a Coité no São Matheus via Riachão. Porém, eu acredito muito no que Chaves canta nas suas infinitas reprises no SBT.

Ele canta o seguinte: existem jovens de 80 e tantos anos, mas também velhos de apenas 26. Eu acho que é justamente por aí. Se você decide ser velho, você será. É por isso que Chaves nunca ficou velho.

Sabe o que é ser velho? É ser exatamente do jeito que você imagina um velho. “O véi vai te pegar, menino!”. Nesse contexto, é como diria meu pai: “Velho só presta pra comprar pão e fazer medo a menino”.

Então, por fim, seja você uma pessoa de 80 anos, seja alguém de 16, não seja velho. A velhice é contra indicada em caso de suspeita de idade. Passar bem.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Boletim Revelante #01


Boletim Relevante #01
23 de Maio de 2018

Donald Trump ameaçando cancelar o piquenique com Kim Jong Um (o pivetinho da Coreia do Norte, sei lá o nome dessa porra)? Governo Federal eliminando tributo sobre o diesel? Greve dos caminhoneiros seguindo firme e forte pelo 3º dia seguido? Esqueça!

Pensando em livrar você – caro leitor – das informações tendenciosas e sem importância dessa mídia manipuladora e bestificante, resolvi listar acontecimentos que você REALMENTE precisa saber. São fatos que verdadeiramente terão relevância para a sua vida. Então, sem mais delongas, vamos lá:

COM NEYMAR, BRUNA MARQUEZINE DESCE ATÉ O CHÃO AO SOM DE 'SÓ QUER VRAU'

Bruna Marquezine e Neymar – ou Brumar (?) – resolveram sair para espairecer no último do domingo (20), no Rio. O que ninguém esperava é que Bruna Marquezine (a “Bru” de Brumar, caso você não tenha entendido a fusão) fosse entrar para a história.

Se submetendo à Lei da Gravidade, que a puxava em direção ao solo, Bruna desceu até o chão para mandar uma mensagem: ela só quer Vrau.

Para quem não sabe, a música “Só quer Vrau”, que inspirou Marquezine em sua manifestação, é uma adaptação em português da clássica canção “Bella Ciao” – antigo hino da resistência  italiana contra o fascismo de Mussolini.

Nesse contexto, Bruna se valeu da icônica música para dizer que é preciso ser malandra, ir para favela e ficar doidinha... Doidinha para lutar contra a corrupção opressora que envenenou a sociedade brasileira.

É preciso deixar claro que “Só quer Vrau” é um chamamento à luta. O Brasil precisa querer Vrau. Bruna Marquezine, engajada na causa, desceu até o chão para simbolizar o enraizamento dessa ideia.

Palmas para Bruna!


CASAMENTO REAL: GRÁVIDA, PIPPA MIDDLETON CHEGA AO CASTELO DE WINDSOR

Certamente você conhece Pippa Middleton. A atuação dessa mulher como socialite e irmã de Kate Middleton é única. Muitos dizem que nunca houve alguém na história da humanidade que exerceu tão bem o combo socialite + irmã de Kate Middleton quanto Pippa.

E foi no último sábado (19) que Pippa mostrou seu cerol à ciência. Desafiando a biologia, a socialite apareceu em um casamento grávida!

Para quem não sabe, estar grávida significa estar gerando uma criatura humana dentro do próprio corpo. As implicações desse acontecimento são revolucionárias para a ciência, já que a gravidez pode implicar no nascimento de uma pessoa.

Após a façanha, muitas mulheres estão cogitando aparecer grávidas em enterros e batizados também.

Ainda, Pippa Middleton compareceu à cerimônia utilizando um vestido verde, com a óbvia intenção de transmitir uma mensagem à sociedade luxuriosa: ainda há esperança para o casamento.


IRMÃO DAS KARDASHIANS 'SECA' E SURPREENDE SEGUIDORES NAS REDES SOCIAIS

Irmão das Kardashians apareceu em Los Angeles, mas algo não estava normal. Acontece que o rapaz estava muito magro. A mudança em seu estado físico levantou a possibilidade da evolução humana estar dando mais um passo.

Em sua aparição, Irmão caminhou normalmente pelas ruas. Parecia que nada havia acontecido. Por conta dessa naturalidade, instituições como a NASA, FBI e KGB começaram a investigar a possibilidade de divisão.

Sim, parece que Irmão se dividiu em dois novos seres-humanos – um do bem, outro do mal.

Segundo boatos, a versão maléfica estaria tentando atrapalhar o encontro de Donaldo Trump com o Menino da Coreia do Norte. Já a versão do bem foi vista em escolas do Brooklyn, falando sobre alimentação saudável e saúde bucal.


VIVIANE ARAÚJO SE IRRITA COM CRÍTICAS EM FOTO E XINGA SEGUIDORES: 'POVO RIDÍCULO DO CARALHO'

Nem só de serenidade vivem os oráculos, foi o que descobriu Viviane Araújo. A líder do Vivianismo experimentou o ódio em sua mais pura essência e acabou perdendo a paciência com seus discípulos.

Viviane Araújo teria sido acusada de manipulação de informações por alguns de seus seguidores. Segundo os discípulos, a Chefe-Mor teria se valido de imagens adulteradas para influenciar as pessoas a aderirem ao Vivianismo – seita na qual os seguidores buscam a elevação espiritual através da utilização de roupas de banho em tempo integral.

Em resposta, a assessoria de Viviane disse que não há qualquer tipo de modificação nas imagens. Em verdade, Viviane teria aprendido a transfigurar o próprio corpo através de técnicas elementares de meditação e respiração – o que explicaria a caráter exótico das fotos.




terça-feira, 22 de maio de 2018

O Trunfo do Diabo



Eu sou invisível a olho vestido. Todos podem me ver, mas não o fazem. Quando se está em multidão, não se está em lugar nenhum. E é assim que eu atuo, dentro da grande multidão chamada humanidade.

Mas não pensem que eu fico me escondendo, como uma barata que vai para debaixo da geladeira enquanto alguém a persegue com SBP em mãos. Não. Em verdade, estou sempre às vistas, embora seja discreto e silencioso. Apesar desse aspecto gatuno, sei quebrar o silêncio com palavras suaves, que soam como canção aos ouvidos desesperados. Você sabe quem eu sou? Tenho certeza que sim. Eu sou o Diabo.

Tenho muitos nomes artísticos: Lúcifer, Satanás, Belzebu. Mas se nem só de fama vive o homem, quanto mais o Diabo. É por conta disso que gosto de produzir minha arte sob pseudônimos. Ah, são tantos. Cléber, Marina, Paulo, Bianca. Eu poderia passar a eternidade falando dos meus nomes - e não seria hipérbole. A nomenclatura adequada provoca o efeito adequado, por isso acho tão importantes as alcunhas.

Apesar do meu fascínio – fundamentado no peso que as palavras ganham quando faladas pelo nome certo – os humanos tem um temor estranho em relação aos meus nomes artísticos. Explico. Parece que as pessoas simplesmente não gostam de dizer em voz alta as palavras Lúcifer, Satanás e Belzebu – o que eu acho hilário, porque é como fui apresentado pela Bíblia, e era como me chamavam nas quebradas naquela época.

Por conta desse medo estranho, me sinto quase como Lord Voldermort – chamado de Você-sabe-quem pela bruxarada de Harry Potter. Nesse chama-e-não-chama, a criatividade da humanidade veio à tona. Foi aí que me deram novos apelidos. Capeta, Capiroto, Sete-Peles, Tinhoso (esse eu acho particularmente fofo), Rabo-de-seta, Coisa-ruim (esse eu acho ofensivo), e por aí vai. Achei sensacional. Tenho mais nomes do que aipim ao redor do Brasil. Fantástico. Fique à vontade para escolher o seu favorito.

Certo, eu tenho muitos nomes. Mas como é a minha cara? Essa questão é tão interessante quanto Mister M revelando seus segredos. Provavelmente, quando você pensa em mim, pensa em uma criatura vermelha, com chifres, barbicha brega, asas de morcego, pés de bode e tridente. Em alguma medida, eu seria algo entre um Pokémon e um cafetão. Mas que blasfêmia. A verdade é que eu sou um ser de excepcional beleza. Não sou nem homem, nem mulher – o que talvez seja difícil de assimilar na sua cabeça limitada de humano. Porém, ao final das contas, sou uma criatura de extrema beleza. Sendo assim, não me compare a uma carta de Yu-Gi-Oh.

Essa imagem distorcida que vocês têm da minha aparência é fruto da maléfica criatividade humana. Ressalto: não tive nada a ver com isso. O que aconteceu foi o seguinte. Certos humanos montaram o meu look com base em características de povos que eles não simpatizavam. Depois eu que sou cruel. Por conta disso, aquela imagem bisonha que narrei acima herdou a barbicha dos árabes mulçumanos – durante as Cruzadas. Já as asas vêm do livro A Divina Comédia (escrito por Dante). O tridente, por sua vez, é referência ao Deus grego Poseidon. Por fim, os pés de bode são referência ao Deus grego Pã. Em resumo, fizeram de mim um verdadeiro Frankstein.

Em meio a tanta loucura, a minha beleza permanece intacta. Mas não pense que sou apenas um rostinho bonito. Para exercer bem a minha Arte, aprendi desde cedo a ser como um camaleão. Mudo minha aparência assim como Fátima Bernardes muda de penteado. Logo, posso ser feio ou bonito conforme me convier. Adão e Eva que os diga. Até hoje admiro a sacada da serpente. Em meio a tudo isso, convido-os a refletir. O que atrai mais, o feio ou belo? Talvez a figura do Diabo Caprino não faça tanto sentido mais... A humanidade e seus devaneios.

Já falei do meu nome e da minha aparência, mas onde eu exerço minha Arte, afinal? Talvez você tenha pensado no Inferno. É senso comum o Inferno ser um lugar desagradável. Embora eu não seja muito favorável à ideia de senso comum, devo admitir que lá é sim desagradável. Porém, não tem nada de efeitos pirotécnicos ou lagos de fogo. Ao invés disso, pense no Inferno como um órgão público lotado, onde você pega senha às 4 horas da manhã e nunca é atendido. Tem basicamente duas funções para mim: servir de escritório, afinal organização é fundamental para a potencialização da criatividade; e algo que eu não vou dizer agora, pois tiraria a graça quando você morrer. Dica: tem a ver com as senhas que falei acima.

Sendo sincero, o Inferno é bem entediante. O que eu gosto mesmo é do trabalho de campo. Por conta disso, estou sempre com meus pés (que não são de bode) na Terra. É neste planeta sensacional que minha criatividade aflora e minha arte brota como muriçoca após trovoada. É no Planeta Água (como diria Guilherme Arantes) que eu ganho a vida. Ou melhor, a eternidade. Mas, afinal de contas, o que é que eu faço?

Você deve ter percebido que, até aqui, eu venho me referindo a minha atividade como “Arte”. E, de fato, é arte. Realizo-a com tamanha maestria que merece ser admirada como o mais belo dos quadros, ou a mais sublime das canções. Eu sou artista e me regozijo no meu labor. Esse labor, por sua vez, engloba duas atividades diferentes, mas que compõem a Arte como um todo. Nesse contexto, me considero: a) Negociante; e b) Agricultor.

Dizem que a propaganda é a alma do negócio. No meu caso, o negócio é a própria alma mesmo. Embora não seja a minha atividade favorita, me garante bom percentual de satisfação. Basicamente, as pessoas vêm a mim com algum desejo. Alguns querem ter muito dinheiro, outros querem ser muito famosos. Independentemente do pedido, geralmente se trata de algo egoísta. Não é muito divertido, afinal basta eu conceder o pedido do cidadão/ cidadã – o que geralmente significa dar um pequeno empurrão em algo que a pessoa poderia conseguir por conta própria – e a alma dessa criaturinha ficará esperando sua senha ser chamada durante todo o sempre no pregão do Inferno. Não exige muito da minha capacidade, mas não é algo que pode ser desperdiçado. Ainda, apesar de tantos anos no ramo, me surpreendo com a burrice dos meus clientes. Talvez eles devessem olhar no dicionário o significado de “eternidade” antes de entrar em um trato-feito envolvendo as próprias almas.

Entretanto, a parte da Arte que me enche de prazer é aquela envolvendo ser Agricultor. Eu não crio o caos com minhas próprias mãos. Minha construção é desconstruir. Descontruir vidas, descontruir felicidade. Inferno, Céu e pecado são conceitos muitos abstratos e distantes para as mentes humanas. Mas o sofrimento é real. É físico, mas também psicológico. Corpo e mente são meu roçado.

Nesse contexto, considero-me Agricultor, pois plantar a semente da discórdia, da confusão e do sofrimento é o que eu preciso para consumar a Arte em todas as suas vertentes. Ver o circo pegar fogo é minha maior satisfação. Por conta disso, minha agricultura tem se mostrado muito próspera.

Se Deus está no coração de cada um, eu estou na mente. A humanidade tende a pensar em mim como o grande torturador. Carniceiro mor até. Acho isso imensa deselegância.
Minha Arte consiste em sussurrar aos ouvidos do menino que mais uma dose não vai fazer mal. Questionar a mulher o motivo de sua amiga ter um carro tão caro e ela não. Minha Arte consiste em confidenciar para o homem que a religião dele tem o dever moral de purificar o mundo e suas imundices. Meus caros, minha Arte consiste em perguntar para o namorado: “Sua namorada não te responde há 50 minutos... estranho, não é?”. Minha Arte, meus queridos, é de fora para dentro.

A desculpa mais esfarrapada é atribuir os males do mundo ao Diabo. Pobre de mim. Eu não coloco a arma na mão de ninguém. Eu não preparo a seringa. Eu não conto para o seu chefe que Carolina falou mal dele. Eu não acendo as tochas e desembainho as espadas para livrar o mundo por Maomé – ou de Maomé. Não. Eu não espanco homossexuais ou os amaldiçoo por serem criaturas desprezíveis – lembre-se, sequer tenho sexo! Eu não coloco negros em navios nem olho seus dentes. Quem faz tudo isso, meus queridos humanos, são vocês.

O livre-arbítrio é uma das coisas mais lindas da Criação. Meu Pai acertou em cheio. E é o livre-arbítrio a principal ferramenta que utilizo para fazer Arte. Eu não faço imposições. Faço perguntas. “Seu chefe prefere o trabalho de Carolina ao seu? Será que ele pensaria assim se soubesse o que ela falou semana passada?”. “Gabriela merece viver após trair o amor que você lhe deu?”. “Não existem tantas pessoas que se drogam só por curtição e depois param?”. A resposta para essas perguntas são vocês que dão.

Tudo o que eu quero é o caos. Provocar, plantar a semente. Meu prazer é ver a semente brotar e se transformar em uma árvore de tronco sólido e intransponível. Ver o livre-arbítrio acabar com a liberdade. Por isso, lembre-se: o Diabo não está ao lado. O Diabo está dentro de sua mente. Sabe aquela voz estranha que causa angústia e te faz querer chorar? Sou eu perguntando. As perguntas não têm fim. Mas que fim você quer ter?

Quero Café!


O dia não começa sem uma boa dose de café. Para muita gente – e eu me incluo nesse grupo – o dia sequer prossegue sem uma caneca caprichada da bebida sagrada. A verdade é a seguinte: café é bom demais. Se você aprecia essa lendária bebida, sabe do que eu estou falando. O aroma estonteante e o sabor ímpar provocam sensações apoteóticas em qualquer mortal.

E foi bebendo uma caneca quente de café que eu comecei a indagar: quem foi o gênio que trouxe tamanha maravilha para a humanidade? Como diriam Rick e Renner: é coisa de Deus.

Será que alguém, em um dia de tédio, pensou: “Nada para fazer. Já sei! Vou colher frutinhas vermelhas, colocá-las para secar ao Sol, torrar os grãos, moê-los até virarem pó, misturar o pó com água fervendo e beber!” Intrigante.

Movido pela curiosidade que se espalhava pela minha alma enquanto eu respirava o saboroso aroma do café na minha caneca, resolvi buscar a resposta para tal mistério. Tomei um gole caprichado, quase queimando minha língua no processo, e fui até o grande Oráculo – o Google. Compartilharei minhas descobertas com vocês nas próximas linhas.

Eram meados do século VI, antiga Abissínia (atual Etiópia). Tikusi Buna havia acordado cedo, como de costume. Geralmente não tinha dificuldades em se levantar juntamente com Sol. Porém, naquele dia em especial, se sentia muito sonolento. Talvez fosse efeito da noitada anterior. Nunca mais iria beber, havia prometido para se mesmo.

A esposa de Tikusi ainda dormia quando o abissínio saiu de casa. Ele era pastor e precisava levar suas cabras para pastar. As pobrezinhas eram seu ganha pão e não podiam ser negligenciadas por conta da ressaca. Por conta disso, seguiu com o rebanho até os campos.

Terminado o pastoreio, ao final da tarde, Tikusi percebeu que as cabras estavam estranhas. Os animais pareciam eufóricos. Saltavam e berravam sem parar. Guiar as criaturas até sua roça foi uma tarefa árdua para nosso herói – que, aquela altura, estava com a cabeça prestes a explodir.

Para a surpresa do bom pastor, o peculiar comportamento de suas cabras persistiu nos dias seguintes, sempre após o pastoreio. Agitação, saltos e berros. Diante do contexto, Tikusi Buna começou a considerar a interferência sobrenatural como causadora daquela misteriosa forma de agir dos bichinhos. “Talvez as cabras estejam possuídas por algum demônio” – pensou Tikusi.

Confuso e preocupado, o bom pastor procurou seu amigo de longa data, o monge Buruki, para solucionar aquela questão de outro mundo. Buruki era especialista em exorcismos de cabras. Já havia despachado mais de 50 espíritos do mal para fora dos caprinos. O problema seria solucionado com certeza.

Soturnos, mas determinados, os integrantes daquela improvável caravana – pastor, monge e cabra - partiram para os campos à primeira luz da manhã. Buruki, com seus olhos treinados de monge, observava as cabras comendo a vegetação do lugar. Ao menor sinal de possessão, ele agiria. Eis que o pastor Tikusi percebeu algo intrigante: as cabras – como que já acostumadas – pastavam organizadamente até uma curiosa planta. Era uma árvore pequena, cheia de folhas e com frutos avermelhados. Uma a uma, as cabras foram comendo os frutos da árvore. Poucos instantes depois, a intrigante agitação começava novamente. Saltos e berros movimentavam o ambiente.

Tomando notas do ocorrido, o monge Buruki coletou algumas das frutas vermelhas e guardou dentro do bocapiu que carregava. Mais tarde, naquela noite, juntamente com Tikusi e outros monges, ao redor da fogueira no centro da tribo, algo fantástico aconteceu.
As fontes não são cem por cento seguras, mas todas as evidências levam a crer que – possuído pelo espírito de uma cabra ancestral que havia morrido por overdose da fruta vermelha – o monge Buruki deu início ao ritual de transformação da frutinha. Colocou-as para secar, torrou-as, moeu-as, misturou o pó com água fervente e bebeu o drink recém preparado. Os outros monges e o pastor Tikusi experimentaram aquela bebida exótica também.

O que aconteceu em seguida marcou a humanidade para sempre. Poucos instantes após provarem do café pela primeira vez, monges e pastor sentiram a mesma euforia que possuía as cabras todas as noites. Rapidamente, humanos e caprinos se agitavam, saltavam e berravam.

E foi assim, meus amigos, que - em uma noite alegre na Etiópia do século VI – a bebida mágica, o elixir da energia, dava as caras na Terra para nunca mais partir.

Hoje em dia, o café é quase tão importante quanto a água. Alguns gostam de beber para começar o dia radiante. Outros bebem café para dormir – conheço gente assim. E realmente dormem – aquele sono tranquilo dos bem cafeinados.

O café está em toda parte: salas de espera, mesas de buffet, casas de família. Alguns dizem que podem sentir a cabra ancestral saltando e berrando dentro de si após uma boa xícara.

Mitologia à parte, são inegáveis as benesses do café para os seres-humanos. A ciência mostra que – por conta dos agentes antioxidantes presentes em sua composição, bem como sua da capacidade estimulante – o café é um grande aliado na prevenção de doenças como o câncer e a osteoporose.

Ainda, é arma eficaz contra a depressão, abaixando em grande quantidade as chances de um indivíduo cometer suicídio. Isso ocorre pois o café funciona como antidepressivo. O estímulo que a bebida causa ao sistema nervoso central aumenta a produção de neurotransmissores no cérebro, como a serotonina, dopamina e noradrenalina.

Pois é, meus amigos, o café é bom e faz bem. Mas, como tudo na vida, é importante evitar os excessos. Quantidades exageradas de cafeína podem causar transtorno mental temporário e abstinência. Ainda, se você se afogar no café – coisa que dá vontade de fazer – você pode sofrer de inquietação, nervosismo, desconforto gastrointestinal, insônia. Sendo assim, beba com moderação.

O café aquece o corpo e a alma. Ajuda na hora de estudar, de trabalhar, de matar a fome. Para tirar o melhor que essa bebida fantástica tem a nos oferecer, pegue leve na dose. Caso contrário, você pode acabar como a cabra ancestral e sofrer uma overdose. Dito isso, vou encher a minha caneca. Que Tisuki, Bukuri e a cabra ancestral estejam com vocês. Até a próxima.